As Ordens Religiosas
Como comunidades Proféticas

Como surgiram as Ordens religiosas? Qual a sua finalidade dentro da Igreja?

No início do século IV, a situação da Igreja mudou profundamente, a partir do Imperador Constantino, e mais tarde, sobretudo, quando o cristianismo foi declarado “religião do Estado”.
A Igreja já não tinha mais necessidade de viver clandestinamente. Já não era oprimida ou perseguida, mas, pelo contrário, tornara-se um lugar de refúgio para todos. Para poder ser funcionário do Estado ou trabalhar em qualquer repartição pública, era preciso ser membro da Igreja. Na mesma proporção em que crescia o número de cristãos, crescia igualmente o grau de mediocridade e de superficialidade na fé.A decadência da vida cristã levou à necessidade de inventar uma quantidade de estruturas, instituições e organismos, grandes casas e muitos ofícios, para organizar esta multidão. A Igreja primitiva de tudo isto não precisara, de maneira que não existiu nenhuma vida religiosa nos primeiros dois séculos do cristianismo, exceto alguns eremitas e profetas solitários, mas não havia ainda uma vida religiosa estruturalmente organizada.
O modelo
da Igreja primitiva
Começou, então, a repetir-se a mesma evolução que já havia se dado no Antigo Testamento: a institucionalização e a profecia condicionavam-se uma à outra. Os chefes da Igreja mantinham uma máquina bem lubrificada, em vez de fomentar as comunidades na koinonía, fazia-se necessário que alguém viesse relembrar à Igreja a sua finalidade. Surgiu então a vida religiosa.
Pessoas isoladas começaram a se dar conta da diferença entre a vida da Igreja que conheciam e a das comunidades primitivas. Procuraram, então, espontaneamente, imitar o ideal descrito nos Atos dos Apóstolos:
“E todos que tinham fé viviam unidos, tendo todos os bens em comum. Vendiam as propriedades e os bens e dividiam com todos, segundo a necessidade de cada um. Todos os dias se reuniam unânimes no Templo. Partiam o pão nas casas e comiam com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus entre a simpatia de todo o povo. Cada dia o Senhor lhes ajuntava outros a caminho da salvação” (At 2,44-47). Portanto, as primeiras formas de vida religiosa pautaram-se pelas primeiras comunidades, como notou João Cassiano, no século IV. Escreveu que os primeiros religiosos se separavam do povo “para praticarem aquilo que os Apóstolos haviam ordenado a toda a Igreja” (Conf. 18, cap. 5).
Em outras palavras: estes grupos se segregavam da comunidade maior para viverem o carisma profético:
“São esses dois aspectos, aparentemente contraditórios, que caracterizam o profeta: é membro da comunidade, sentindo-se, ao mesmo tempo, distanciado dela. A imagem clássica do profeta, que se afasta para viver no deserto, exprime isto. De um certo modo, está livre das estruturas, obrigatórias em qualquer comunidade normal... Os profetas são chamados para fora da comunidade para falar à comunidade”.
Entre todas as tarefas da vida religiosa, a primeira é a obrigação de reconvocar a Igreja à fidelidade ao Evangelho. Sem esse aspecto privilegiado, a Vida Religios degenera ao nível de mero trabalho social ou a uma ocupação assalariada barata, perdendo assim sua razão de ser original e essencial.
Por causa do seu papel profético na Igreja, as Ordens religiosas se mantêm numa relação de certo modo tensa face à instituição. Isto acontece cada vez que as estruturas desta última se enrijecem ou quando se concentram exclusivamente no esforço de manter sua posição privilegiada de liderança. Portanto, o perigo de que a instituição possa procurar assimilar a vida religiosa é sempre atual e presente.
O profeta é uma pessoa incômoda. É hostilizado porque questiona as estruturas vigentes de poder que dificultam a evolução da vida e deixam de servir á humanidade. Isto pode acontecer tanto no âmbito político como no âmbito eclesial. Desde sempre, os profetas incomodaram os outros a ponto de serem desprezados, perseguidos e até mortos.
Foi esta a sorte de muitos profetas do Antigo Testamento; e essa foi também, de modo especial, a experiência de Jesus: “os seus não o receberam” (Jo.1,11). Á medida que assumirmos verdadeiramente a nossa tarefa profética dentro da Igreja e da sociedade, será a nossa vez de fazer essa experiência. Mas também o contrário acontece: se, por acaso, gozarmos da benevolência e simpatia dos poderosos e influentes na Igreja e na sociedade, teremos de perguntar-nos a nós mesmos se estamos a ponto de descuidar e de trair a nossa missão profética.

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